O termo “ESG” (sigla em inglês para ambiental, social e governança corporativa – ou ASG, em português) ganhou força e passou a receber maior atenção e investimentos das empresas. Isso porque a prática mostra que companhias engajadas a esses princípios vêm despontando, seja pela confiança dos investidores ou em ganhos de imagem frente ao consumidor.
Para mostrar essa importância e como aplicar essas boas práticas, o Portal de Notícias da GS1 Brasil entrevistou o advogado sócio na Carvalho, Machado e Timm Advogados (CMT) e líder de ESG no escritório, Rafael Bicca Machado (fotos).
O executivo mostrou os principais passos a serem adotados e os benefícios múltiplos do ESG, sigla que se tornou um caminho sem volta no mundo dos negócios. “O ESG não é só uma tendência, é uma realidade. Isso porque além do lado dos financiadores, temos os consumidores, que pautam cada vez mais as decisões de compra com base nessas práticas”, analisa.
Acompanhe, a seguir, este bate-papo na íntegra.
Esses três temas (meio ambiente, social e governança), individualmente, não são novos. A preocupação com o meio ambiente, por exemplo, acontece há muito anos, ganhando força no Brasil na década de 90, com a conferência Rio-92. O mesmo acontece com os temas responsabilidade social e governança, já tratados há longa data no País e no mundo.
Mas a partir de 2020, grandes fundos de investimento começaram a declarar que esses temas, até então soltos e espalhados, fariam parte da realidade dos negócios. A BlackRock, uma das maiores gestoras de investimentos do mundo, anunciou que só iria investir em empresas que atuassem com esse conceito. Isso foi um elemento novo. Porque até então, tudo aquilo que ainda era tratado como se estivesse apenas no campo da ética, passou a ter também uma métrica financeira. Por isso, nos últimos dois anos ouvimos falar tanto em ESG.
O ESG não é só uma tendência, é uma realidade. Isso porque além do lado dos financiadores, temos os consumidores, que pautam cada vez mais as decisões de compra com base nessas práticas.
A terceira vertente que fortalece esse conceito é dos empregados ou colaboradores. Na hora de um profissional escolher a empresa A ou B para fazer sua carreira, são muitos os que optam por companhias que adotam esses princípios, sendo, assim, uma forma de reter talentos.
Não. Todas as empresas, independentemente de seu porte, podem e devem abraçar as boas práticas. Claro, sempre de acordo com a sua cultura e com a sua realidade.
Veja, por exemplo, o caso de pequenos supermercados ou varejos, que são porta de entrada de primeiro emprego para muitos jovens de baixa renda. Ou que, em sua operação de caixa, muitas vezes empregam colaboradores com idade mais avançada, sem discriminação na seleção. Ações como essa estão alinhadas com o “S” da sigla. Portanto, não precisa ser uma grande corporação para fazer isso.
Com relação ao “G”, de governança, se você é uma empresa familiar, e tem um acordo de sócios escrito, esclarecendo o que acontece se algum membro vier a falecer; se você tem conselho com membros que não são apenas da família; ou se tem equilíbrio entre homens e mulheres no corpo administrativo, tudo isso são práticas ESG.
Com o “E”, a mesma coisa: se você dá atenção à segurança dos alimentos que você vende, se você se certifica sobre a qualidade da sua cadeia de fornecedores, para garantir que os mesmos respeitem o meio ambiente, por si só, são práticas que, como um início, entram no conceito.
E não se deve olhar para o ESG apenas como custo. Tem uma frase muito interessante sobre ESG que é a seguinte: “Desrespeitar custa caro. Fazer certo, é barato”. Basta ver como pode ser manchada a imagem de empresas envolvidas em casos de violência com clientes ou colaboradores.
Outro lembrete é: uma empresa que respeita o ESG não significa que ela deixou de ser empresa, ou seja, de visar lucro. É possível, sim, compatibilizar a busca pelo lucro e os melhores resultados com as melhores práticas ESG. Significa, apenas, que ela coloca, na sua atividade, atenção verdadeira a esses assuntos, que estão na mente e na pauta de clientes, consumidores e financiadores.
Seja qual for a área, é importante primeiro fazer um diagnóstico, ter um olhar para dentro do negócio, seja contratando uma consultoria que ajude no processo ou criando um comitê interno, para ver em que estágio de respeito em ESG em que se está: o que a empresa já faz em termos de responsabilidade social, governança e práticas ambientais.
Depois disso, o próximo passo pode ser fazer um planejamento de curto prazo (12 meses), apontando três práticas, em cada uma destas “letras”, que podem ser implementadas nesse período. Isso serve para varejo, indústria ou serviços.
No “G”, por exemplo, avaliar se:
– Existem acordos de acionistas escritos?
– Há um conselho de administração?
– Há um membro externo no conselho ou é apenas familiar?
No “S”, podemos pensar em alguns pontos importantes:
– Como efetivamente a empresa trata os colaboradores? (Não adianta pensar em boas práticas sociais sem pensar sobre isso);
– Como está a política de contratação? Existe pluralidade e diversidade? Se está baixa a diversidade, como fazer para aumentar?
– Como se dá o crescimento dos profissionais dentro do negócio? Os processos de promoção de cargo são transparentes e justos?
No “E”, em se tratando de indústrias, por exemplo, a empresa está atenta e integrando os desafios da economia circular? Existem estudos ou práticas para buscar uma geração de forma mais limpa, por meio de fontes alternativas?
Mesmo no setor de Serviços e Varejo, em que se poderia pensar que a questão de meio ambiente não fosse tão forte, existe a possibilidade, por exemplo, de auxiliar projetos sociais pensados em estimular o meio ambiente; inclusive para ajudar a criar fornecedores novos socialmente e ambientalmente responsáveis, ajudando a comunidade do entorno a se desenvolver.
Os organismos nacionais e internacionais de financiamento, a cada dia, aumentam o grau de exigência em relação a essas práticas. Então, como exemplo mais evidente, se a empresa foi condenada por ter trabalho escravo ou claramente tem práticas que não respeitam o meio ambiente, dificilmente vai conseguir financiamento. Assim, a primeira barreira é a dificuldade no financiamento.
E mesmo que se consiga financiamento, a segunda barreira está no custo do crédito, que tende a ser mais alto. As grandes gestoras, que investem e compram empresas no mundo todo, cada vez mais cobram um preço alto das empresas sem práticas ESG. Outra dificuldade, por exemplo, acontece para empresas que querem abrir capital na bolsa (processo de IPO), e que já hoje em dia dificilmente serão bem-sucedidas desrespeitando essa prática.
Portanto, as companhias, gostando ou não do ESG, precisam entender que essa sigla entrou na matriz de risco de qualquer organização e as que não o adotam poderão ser muito penalizadas e podem ter a imagem bastante prejudicada no mercado. Algo que, quando acontece, é muito difícil reverter. Assim, as empresas precisam ser proativas, precisam dar o primeiro passo e colocar o tema ESG na pauta de sua organização.
Claro, volto a dizer, sempre respeitando a cultura e a peculiaridade de cada empresa, para que seja algo verdadeiro. E não o greenwashing, que estimula alegações de marketing não-verdadeiras. Minha recomendação é: pratique o ESG mesmo que num escopo menor, mas de forma verdadeira!
O mundo inteiro está em busca de indicadores confiáveis quanto a isso. Existem iniciativas bem interessantes, mas ainda não existe um único índice aceito por todos, um padrão ouro que seja conceituado e que coloque esses indicadores, por exemplo, dentro das normas contábeis. Eles estão em desenvolvimento. Mas isso não é um motivo para não começar.
Uma parcela importante do mercado consumidor já dá bastante atenção a esses pontos. Então, se 10% ou 20% dos clientes de uma empresa dão atenção para o tema, esse número é relevante e precisa ser considerado. Afinal, eles podem deixar de comprar ou comprar menos quando acreditam que aquela empresa age em desacordo com as melhores práticas de ESG.
Não podemos esquecer que a decisão de compra é sempre feita de símbolos e nem sempre eles são apenas racionais. Muitos deles se dão por afinidade. E o respeito ao ESG entra nessa pauta.
O segundo elemento envolvido é a sensação de pertencimento, e isso se acentua inclusive em um aspecto geracional. Especialmente no mercado jovem, percebe-se uma maior necessidade de pertencer a organizações que respeitem boas práticas. Pode ser que em países em desenvolvimento, como o Brasil, esse movimento demore um pouco mais para acontecer, mas é um movimento crescente e que já se tornou uma realidade em outros países. E esse consumidor pode estar disposto a pagar um pouco a mais por produtos que atendam a esse perfil.
Imagine se, nas gôndolas de um supermercado, o consumidor se deparar com dois produtos similares e com preços parecidos, mas que uma das indústrias pratica o ESG e outra não é bem-conceituada nesses propósitos. É muito provável que o critério de escolha valorize aquela que adote boas práticas.
O primeiro é o mais simples: escolha um colaborador que fique à frente dessa jornada. Busque um coordenador ou um comitê de ESG para olhar sobre esse assunto e para dar um diagnóstico das ações a serem realizadas, sempre respeitando a cultura e as característica da sua empresa. Como eu mencionei lá atrás, podemos pensar em alguns exemplos: sobre o “E”, busque pluralidade de fonte energética, faça uma inserção no movimento de economia circular, preste toda a atenção em processos de segurança dos alimentos.
No “S”, respeite e estimule a diversidade, em seus mais variados aspectos, tanto no processo de contratação, como na progressão da carreira. Veja de que forma a sua empresa pode, de forma verdadeira, auxiliar na execução de políticas sociais com a sua comunidade.
Quanto ao “G”, comece observando práticas como ter um conselho de administração com ao menos um membro externo, possuindo acordos de sócios escritos e que regulem as regras de governança, tendo um Código de Compliance e políticas de integridade. Se algo assim for feito, o primeiro passo foi dado. Aí começa-se a expandir e melhoras as práticas, dentro da sua realidade. A empresa que fizer isso já está começando muito bem.
Fotos: iStock/divulgação
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