A Logística 4.0 pode ser entendida como uma evolução da logística tradicional, utilizando ferramentas da Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0 para aumentar a eficiência dos processos da cadeia de abastecimento e proporcionar ganhos de escala.
Tecnologias como Inteligência Artificial, Big Data, Internet das Coisas (IoT), computação em nuvem, machine learning, sistemas ciberfísicos e aplicativos são adotadas para aumentar a produtividade logística.
“A expectativa é que usando essas ferramentas, em um novo conceito estratégico, se possa deixar o material certo, no lugar certo, no tempo certo, a um custo competitivo e com gerenciamento em tempo real”, pontua o coordenador do curso de Engenharia de Produção do Instituto Mauá de Tecnologia, David Garcia Penof.
No Brasil, as empresas ainda estão iniciando a jornada para implementar o conceito de Logística 4.0. “Infelizmente ele ainda é pouco usado em nosso mercado, que opera quase que 100% de forma analógica com baixo ou nenhum uso de tecnologia. Isso gera grandes ineficiências na cadeia de transportes. Se compararmos países como Estados Unidos e China, onde mais de 80% do mercado de fretes operam de forma online, com índices de ociosidade de frota menores que 10%, temos o Brasil com menos de 5% das operações online e mais de 60% de ociosidade”, afirma o CEO da Cargo X, Federico Vega.
De fato, os desafios são muitos até porque a logística 4.0 demanda mudanças profundas, principalmente comportamentais.
“É fundamental o entendimento de que o modelo decisório precisa ser alterado, sendo mais dinâmico e assertivo, quase que em tempo real. As ferramentas ligadas à sensores, robótica, satélites e outras são apenas “ferramentas de suporte”. Se não mudarmos a forma de pensar e decidir em favor do cliente, com processos enxutos, personalizados e eficientes de nada ajudam as tecnologias”, ressalta o professor David.
Segundo ele, a implantação desses conceitos passa por digitalização, virtualização dos processos, conectividade e visibilidade (visão); transparência de processos e atuação (entendimento), capacidade preditiva (estar preparado) e adaptabilidade ao sistema (otimização). “Muitas empresas não atuam ainda com sistemas digitais e simulação de rotas, que seriam as etapas iniciais”, diz.
Várias soluções da Logística 4.0 já são implementadas pelas empresas em suas operações, como caminhões com sensores, conectados a computadores e satélite usados na logística da cana-de-açúcar. “A Volvo foi pioneira e já temos usinas no Paraná com esse tipo de caminhão”, comenta David.
O professor da Mauá cita também outras possíveis soluções: rastrear caminhões e informar o motorista em tempo real para mudança de rota em função de chuvas em determinados locais; e colocar sensores em portas e cargas para ter indicadores de dirigibilidade e roubos.
“Outro exemplo é a roteirização de frota considerando aspectos ligados à trepidação, vibração e deslocamento de cargas, o roteiro não considera apenas fluxo de veículos, mas particularidades da carga. Por exemplo, no transporte de tomates, estima-se que de 15% a 20% da carga seja prejudicada por amassamento em função de piso ruim nas ruas e rodovias”, diz David.
Mas é um engano achar que robôs e sensores definem a Indústria 4.0 ou Logística 4.0. “De nada adianta robôs e sensores se as decisões são tomadas de cima para baixo na estrutura. Abrir a estrutura de poder e facilitar o processo decisório é fundamental”, explica o professor.
Um dos pontos positivos da adoção dos conceitos da Logística 4.0 é trabalhar com segurança de informação, decidindo em tempo real, além de acompanhar os diferentes processos de forma remota.
“Com parametrização feita de forma antecipada, o sistema pode informar que um determinado equipamento vai quebrar, ou que está trabalhando fora da normalidade. Essa possibilidade de sensorização evita paradas longas para manutenção e ou problemas de deslocamentos de carga”, diz o professor da Mauá.
Além disso, o uso das ferramentas da Logística 4.0 tornam os sistemas de recebimento e disposição de materiais mais ágeis, melhorando a produtividade logística e, consequentemente, o desempenho da operação como um todo.
“De forma geral, o custo logístico relativo a transporte representa entre 40% e 45% de todos os custos logísticos, atacar essa aresta de custo é importante”, pontua David.
A logística 4.0 também pode facilitar o rastreamento e a localização de peças dentro das grandes indústrias, o que geralmente é uma dificuldade, como no setor automobilístico.
Outro benefício é a possibilidade de cuidar da logística e movimentação das pessoas numa empresa para preservar a segurança. “Com o uso dos sistemas ciberfísicos pode-se intervir numa área com grande circulação de pessoas, identificar pessoas com dificuldade de locomoção e ou até mesmo acidentes”, diz o professor David, acrescentando que não se trata de controle excessivo. “Pessoas desinformadas podem supor que estão “apenas sendo controladas” e não que o objetivo é, por exemplo, mudar rotas de empilhadeiras para evitar atropelamentos”.
A Logística 4.0 é o fundamento da operação da Cargo X, logtech brasileira fundada em 2013. A startup utiliza tecnologia que conecta caminhoneiros autônomos e pequenos frotistas aos embarcadores.
O CEO da Cargo X, Federico Vega, conta que todo o processo é conduzido de forma online, desde a contratação ao monitoramento dos fretes. “O uso de machine learning aliado ao nosso Big Data, que possui informações de rotas e mais de 200 mil caminhoneiros cadastrados, possibilita que tenhamos ganhos significativos de eficiência e confiabilidade para gerar o match entre oferta e demanda”, afirma.
A empresa também utiliza outras soluções tecnológicas, como GPRS para monitoramento das viagens, que possibilita a análise de trajetos de risco, rotas seguras e postos recomendados.
“Pensando também na agilidade e segurança de troca de documentos, desenvolvemos tecnologias de validação digital e envio de canhotos eletrônicos via app facilitando o cumprimento do processo por parte do caminhoneiro e do recebimento por parte dos embarcadores”, conta Federico.
“Logística 4.0 é o fundamento da nossa operação”, diz Federico Vega, CEO da Cargo X – Foto: Divulgação
O modelo de pricing, através do machine learning, leva em consideração diversos fatores, como sazonalidade, liquidez, risco e tipo de carga. Já o canhoto digital possibilita realizar o pagamento do saldo do caminhoneiro no ato da descarga, diferente do que geralmente é feito em processos tradicionais, no quais o caminhoneiro ou transportador precisam apresentar a documentação física via correios ou malote para que os embarcadores liberem o pagamento.
Segundo Federico, atualmente, a Cargo X opera mais de 6 mil fretes por mês com um time de menos 150 pessoas dedicados a operação. “Não possuímos um único caminhão próprio, fato impossível de se realizar sem o uso de tecnologia”, destaca o executivo.
No último trimestre, a taxa de sinistro da empresa foi menor que 2%, o que Federico atribui ao rigoroso processo de gestão de risco e monitoramento 100% online.
Exemplos como da Cargo X mostram os benefícios da Logística 4.0 e que há espaço no mercado para as empresas implementarem este conceito, porém é preciso enfrentar alguns desafios, conforme os entrevistados consultados pela reportagem do Portal de Notícias GS1 Brasil.
“Para nós e para o mercado acreditamos que o maior desafio está na adaptabilidade do modelo, que implica diversas mudanças na estratégia e no dia a dia das operações tradicionais de logística e supply chain como um todo. O apego pelo modelo tradicional e costumeiro ainda é forte”, pontua Federico.
Na opinião do executivo da Cargo X, a chave está em mostrar os benefícios e gerar valor no modelo 4.0. “Ninguém imaginava há dez anos locar um imóvel de forma 100% digital, utilizar um aplicativos de mobilidade ou mesmo assinar um documento digital, mas todas estas tecnologias e modelos inovadores provaram possuir benefícios e facilidades que geraram a adesão dos usuários e hoje se tornaram essenciais, para nós a logística tomara o mesmo caminho”.
Outros desafios envolvem prover infraestrutura tecnológica de acesso para o uso das ferramentas, além de capacitar os recursos humanos para mudança cultural nas organizações. “Tornar os clientes o centro das decisões e não mais o acionista. O lucro passa a ser consequência do processo bem gerido”, acrescenta o professor David, da Mauá.
Na opinião do professor David, da Mauá, outro desafio é estimular a pesquisa aplicada voltada à logística, o que poderia ser feito por meio do conceito da Hélice Tríplice para a inovação, envolvendo governo, universidades e empresas, 4.0. “O governo financia, a universidade desenvolve e inventa, e a empresa inova no mercado. Precisamos de linhas de financiamento e demanda das empresas no mercado”, afirma.
Olhando para o futuro, a tendência é que as tecnologias continuem a evoluir, facilitando inclusive o acesso às novas soluções por parte das empresas. ““Assim como no início de implantação dos sistemas de gestão da qualidade, a Logística 4.0 também terá seu espaço no mercado mundial”, aposta o professor David.
Foto: Getty Images
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