Não é de hoje que várias comunidades indígenas brasileiras têm na fabricação e venda de produtos típicos de sua cultura uma forma de geração de renda, sempre com o cuidado de preservar os recursos naturais.
Agora, esse tipo de iniciativa ganha novos contornos, pois os produtos sustentáveis despertam cada vez mais o interesse de consumidores de todo o mundo. As pessoas têm buscado por ingredientes mais saudáveis, por produtos que respeitem o meio ambiente e que sejam resultado de práticas de comércio justo. Conhecer a origem do produto e de que forma ele é desenvolvido pelos pequenos produtores também são aspectos valorizados pelo consumidor.
Coleta de cumaru tem apoio da Imaflora por meio do Programa Origens Brasil – Foto: Aloyana Lemos
Assim, algumas iniciativas nesse sentido se destacam no Brasil, gerando um impacto positivo em toda a cadeia de abastecimento. Um exemplo é o trabalho desenvolvido pela Imaflora, ONG fundada em 1995 que promove ações que contribuem para a conservação do meio ambiente e para melhorar a qualidade de vida de trabalhadores rurais e florestais, populações tradicionais, indígenas, quilombolas e agricultores familiares.
Uma das iniciativas da Imaflora é o Programa Origens Brasil, criado para dar mais transparência às cadeias de produtos da floresta. Trata-se de uma rede que promove negócios sustentáveis na Amazônia em áreas de conservação, com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva e promovendo o comércio ético.
Por meio de um selo, que é o próprio QR Code impresso na embalagem dos produtos, o sistema funciona conectado a uma plataforma colaborativa, na qual o consumidor consegue acessar informações sobre a origem dos produtos, as histórias dos povos e de seus territórios, estimulando relações comerciais mais éticas, transparência e respeito à diversidade dos modos de vida tradicional.
Vários produtos já possuem o selo Origens Brasil, como óleo de babaçu, mel dos índios do Xingu, pimenta Baniwa, farinha de babaçu, itens de artesanato indígena, entre outros, e são comercializados pelo varejo em diferentes locais do Brasil, Estados Unidos e Europa.
Outro produto que vem ganhando espaço é a castanha-do-brasil da marca Pi-Y, produzida pelos índios kayapós, que, em 2011, constituíram a Cooperativa Kayapó de Produtos da Floresta (Coobay). A cooperativa conta com uma equipe dedicada para cuidar da gestão, organização dos processos, comercialização e controle financeiro. A Coobay atua em conjunto com a Associação Floresta Protegida (AFP), organização indígena sem fins lucrativos que representa 30 comunidades do povo kayapó localizadas no sul do Estado do Pará.
“A Coobay não é uma instituição com o objetivo de gerar lucro, mas fazer uma boa gestão e assim remunerar melhor os coletores kayapós”, contou o coordenador executivo da AFP, Adriano Jerozolimski à reportagem do Portal de Notícias GS1 Brasil.
A castanha-do-brasil (ou castanha-do-pará) é um produto do extrativismo, uma atividade tradicional do povo caiapó, inicialmente praticada para subsistência. “Quando a Associação Floresta Protegida começou a trabalhar para melhorar a estruturação da cadeia da castanha, os kayapós já tinham experiência com a castanha tanto para consumo próprio como para comercialização e geração de renda. O objetivo foi agregar mais valor a esse produto”, explica Adriano.
Castanha Pi-Y produzida pelos índios kayapós – Foto: Divulgação
O desenvolvimento de uma marca, a Pi-Y, com uma identidade visual que remetesse ao povo kayapó teve como objetivo buscar um diferencial. “Isso foi ainda melhor explorado com a participação na Rede Origens Brasil, que é uma plataforma que aproxima o produtor do consumidor final através do QR Code, permitindo o acesso a um conjunto de informações sobre o território e os produtores. Dessa forma, a gente tem buscado conquistar novos mercados para continuar promovendo essa cadeia produtiva que contribui para geração de renda e manutenção da cultura”, diz Adriano.
Por trás da coleta da castanha, há muita cultura envolvida. Adriano conta que os castanhais ficam em áreas distantes das aldeias e dos rios, exigindo longos deslocamentos. Assim, os kayapós acampam por várias semanas ou até meses nesses castanhais e realizam outras atividades, como caça e coleta de remédios da floresta. Além disso, nessas expedições, os saberes e os costumes são reforçados, com a transmissão de conhecimentos dos mais velhos para os jovens.
Outro benefício é a proteção do território. “Os castanhais estão dispersos em locais remotos, que sofrem pressão de criminosos. Então, a presença dos kayapós nessas regiões confere maior proteção ao território. O trabalho com a castanha permite, ainda, que as comunidades fiquem menos vulneráveis ao envolvimento com atividades ilegais, que infelizmente estão em plena expansão, especialmente o garimpo na região sul do Pará”, pontua Adriano.
Os índios kayapós fazem a coleta da castanha entre novembro e março, período de queda dos frutos. Depois, o produto passa pela fase de beneficiamento, etapa que foi terceirizada para facilitar o atendimento às exigências sanitárias e reduzir custos.
A AFP e a Coobay construíram galpões em locais estratégicos para o armazenamento com condições ideais, a fim de evitar a contaminação da castanha pela aflatoxina, toxina produzida por fungos e que é prejudicial à saúde.
A castanha Pi-Y é comercializada para o atacado e o varejo. “Neste momento, estamos prospectando novos parceiros comerciais. Uma das parcerias que se concretizou recentemente foi com o Pão de Açúcar, no âmbito do programa Caras do Brasil. Enxergamos como uma parceria estratégica para dar maior visibilidade e representar uma janela de oportunidades, passar uma mensagem sobre a importância dessa cadeia e do trabalho que os kayapós fazem na proteção das florestas”, conta Adriano.
Como projeto futuro, a Coobay pretende ampliar a exportação, com foco inicial na Europa e Estados Unidos.
Para ajudar na inserção da castanha tanto no varejo nacional quanto no mercado internacional, a Coobay passou a fazer a identificação nas embalagens dos seus produtos com o GTIN (Número Global do Item Comercial), padrão global GS1.
Para os pequenos negócios, a adoção do GTIN ajuda a agregar valor ao produto, transmitir credibilidade e, principalmente, viabilizar a venda no varejo. Além de identificar o produto, o código GS1 permite fazer a rastreabilidade – cada vez mais necessária na cadeia de abastecimento.
“Muitos empreendimentos possuem um viés intrínseco em sustentabilidade, como é o caso da Coobay. É uma satisfação saber que agora, pela parceria com o Origens Brasil e com a utilização dos padrões GS1, eles terão acesso a mercados nacionais e internacionais, que estão valorizando cada vez mais os produtos da Amazônia, que tragam incluso o valor agregado de apoio às comunidades tradicionais da região com a conservação da floresta em pé”, afirma o especialista em sustentabilidade da GS1 Brasil, Herbert Kanashiro.
O varejo também tem feito esforços para fomentar a venda de produtos sustentáveis. Uma rede com longo histórico nesse assunto é o Pão de Açúcar, que, em 1999, criou o programa Caras do Brasil, com o propósito de incentivar o desenvolvimento da cadeia de produção alimentar sustentável, com foco em pequenos fornecedores de produtos regionais, levando em consideração capacidade produtiva, sazonalidade e proposta de valor de cada marca.
“O Pão de Açúcar tem a sustentabilidade como um de seus pilares estratégicos e o programa Caras do Brasil representa esse propósito de maneira prática com o fomento direto ao pequeno produtor”, afirma a diretora de Sustentabilidade do Pão de Açúcar, Susy Yoshimura, reforçando que esse apoio é fundamental neste momento de pandemia.
No final de 2019, o Caras do Brasil passou por uma reformulação e a rede vem expandindo as lojas com esse novo conceito – em junho de 2020, passou de 7 para 12 unidades na cidade de São Paulo. Segundo a companhia, atualmente, são 27 produtos de 15 diferentes produtores no portfólio. “Desde a sua criação, já passaram pelo programa mais de 100 pequenos negócios sustentáveis”, conta Susy.
A iniciativa contempla também itens produzidos por populações tradicionais, que contribuem para a geração de renda dessas comunidades e preservação dos biomas brasileiros. São exemplos: o Mel do Xingu, a pimenta Baniwa e, mais recentemente, a castanha-do-brasil Pi-y, produzida pelo povo kayapó.
“Somos membros da Rede Origens Brasil desde 2015. Para nós, o trabalho desenvolvido pela rede, de transparência e rastreabilidade sobre os produtos e seus produtores, é de fundamental importância e também uma oportunidade de informar e incentivar os consumidores a procurarem por produtos que valorizam e respeitam a sociobiodiversidade e mantém nossas florestas de pé”, diz a executiva do Pão de Açúcar.
Gôndola do Programa Caras do Brasil, do Pão de Açúcar – Fotos: Divulgação GPA
De acordo com Susy, o consumidor tem dado cada vez mais atenção para produtos que possuem uma história e geram valor. “Temos percebido uma média de crescimento de 19% ao mês em vendas dos produtos cadastrados no Caras do Brasil desde o início de 2020. Por isso, continuaremos atuando para potencializar todos os elos desse Programa, garantindo apoio financeiro com a expansão do programa e uma maior visibilidade aos consumidores por meio da comunicação”, afirma.
“Hoje, mais de 70% dos associados da GS1 Brasil são micro e pequenas empresas. Estamos falando de mais de 40 mil negócios, cada um com a sua história e importância no cenário nacional. Programas como o “Origens Brasil” e “Caras do Brasil” ajudam a valorizar a cultura brasileira, e preservar a riqueza e a história por trás dos produtos que chegam ao consumidor. O papel da GS1 é garantir e apoiar a correta utilização dos padrões, para que essas empresas possam organizar melhor sua rotina, atentando-se a oportunidade de crescimento e visibilidade de seus produtos/marca, sobretudo nas grandes redes de varejo e distribuição” comenta o executivo de Desenvolvimento Setorial da GS1 Brasil, Guilherme França.
Foto de abertura: Divulgação AFP/Coobay
Conheça o Programa Sustentabilidade em Código, da GS1 Brasil
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